A contribuição da economia social e solidária para a autonomia das populações indígenas situadas numa área de reserva de desenvolvimento sustentável na Amazônia

Duarcides Ferreira Mariosa, Leandro Pereira Morais, Brígida Rocha Brito, Orandi Mina Falsarella, Cibele Roberta Sugahara y Samuel Carvalho De Benedicto

Otra Economía, vol. 15, n. 27: 84-1029, enero- junio 2022. ISSN 1851-4715

 



 

A contribuição da economia social e solidária para a autonomia das populações indígenas situadas numa área de reserva de desenvolvimento sustentável na Amazônia

 

La contribución de la economía social y solidaria a la autonomía de las poblaciones indígenas en una zona de reserva de desarrollo sostenible de la Amazonía

 

The contribution of the social and solidarity economy to the autonomy of indigenous populations in a sustainable development reserve area in the Amazon

 

Duarcides Ferreira Mariosa*

duarcides@gmail.com

 

Leandro Pereira Morais**

leandro.morais@unesp.br

 

Brígida Rocha Brito***

bbrito@autonoma.pt

 

Orandi Mina Falsarella****

orandi.falsarella@gmail.com

 

Cibele Roberta Sugahara*****

cibelesu@puc-campinas.edu.br

 

Samuel Carvalho De Benedicto******

samuel.benedicto@puc-campinas.edu.br

 

 

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Resumo: O artigo apresenta parte dos resultados de uma investigação exploratória, observacional e analítico-descritiva realizada em duas das cinco comunidades ribeirinhas que compõem a Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Tupé, Manaus, Amazonas. Comparando as atividades que os grupos indígenas realizam com as de outros grupos populacionais não indígenas entrevistados, pretendeu-se avaliar a vulnerabilidade da economia local às incertezas e especificidades do competitivo mundo capitalista. Os resultados observados indicam que a valorização turística do conjunto de recursos materiais, simbólicos e de saberes acumulados pode garantir a sobrevivência das comunidades tradicionais. Surge também como oportunidade de autonomia cultural e independência financeira para grupos humanos muitas vezes excluídos do processo de bem-estar e qualidade de vida, como é o caso da população indígena analisada. No entanto, dadas as restrições impostas às atividades turísticas pela pandemia Coronavirus SARS 19, outras medidas são necessárias.

Palavras-Chave: Economia Social e Solidária, sustentabilidade, populações indígenas

 

Resumen: El artículo presenta parte de los resultados de una investigación exploratoria, observacional y analítico-descriptiva realizada en dos de las cinco comunidades ribereñas que conforman la Reserva de Desarrollo Sostenible Tupé, Manaus, Amazonas. Comparando las actividades que realizan los grupos indígenas con las de otros grupos de población no indígena entrevistados, pretendemos evaluar la vulnerabilidad de la economía local a las incertidumbres y especificidades del competitivo mundo capitalista. Los resultados observados indican que la valorización turística del conjunto de recursos materiales, simbólicos y conocimientos acumulados puede garantizar la supervivencia de las comunidades tradicionales. También aparece como una oportunidad de autonomía cultural e independencia financiera para grupos humanos muchas veces excluidos del proceso de bienestar y calidad de vida, como es el caso de la población indígena analizada. Sin embargo, dadas las restricciones impuestas a las actividades turísticas por la pandemia del coronavirus SARS 19, se necesitan otras medidas.

Palabras claves: Economía social y solidaria, sustentabilidad, poblaciones indígenas

 

Abstract: The article presents part of the results of an exploratory, observational and analytical-descriptive investigation carried out in two of the five riverside communities that make up the Tupé Sustainable Development Reserve, Manaus, Amazonas. Comparing the activities that indigenous groups carry out with those of other non-indigenous population groups interviewed, we intended to assess the vulnerability of the local economy to the uncertainties and specificities of the competitive capitalist world. The observed results indicate that the tourist valorization of the set of material, symbolic resources, and accumulated knowledge can guarantee the survival of traditional communities. It also appears as an opportunity for cultural autonomy and financial independence for human groups often excluded from the process of well-being and quality of life, as is the case of the analyzed indigenous population. However, given the restrictions imposed on tourist activities by the Coronavirus SARS 19 pandemic, other measures are needed. 

Keywords: Social and Solidarity Economy, sustainability, indigenous populations

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Introducción

 

A complexidade do conceito de qualidade de vida (Butolo Vido & Quintella Fernandes, 2007; Seidl & Zannon, 2004) assenta-se na multiplicidade dos fatores que a promovem e que garantem, de modo objetivo, sua existência e realização; e, subjetivamente, na percepção que indivíduos e grupos sociais têm acerca da satisfação ou não de suas necessidades nos mais variados domínios da vida.

Para fins de compreensão intelectual e apreensão do conceito, unicamente, a comunidade acadêmica organiza os fatores intervenientes na qualidade de vida em dois grandes grupos (Landeiro et al., 2011). O primeiro diz respeito ao espaço físico em que os agrupamentos humanos estão alocados. Sob esta variável, genericamente chamada de ambiental, reúnem-se a totalidade dos recursos, dinâmicas e fatores ligados às condições materiais de existência. Nos espaços determinados e singularizados pelo sistema ar, água e solo concentram-se fenômenos climáticos, geológicos, como também, a disponibilidade de recursos minerais, fauna e flora. No segundo grupo encontram-se as variáveis territoriais, aquelas produzidas pela interferência humana no ambiente, resultado da cultura e das formas organizadas da ação econômica, social, política ou de produção e reprodução de valores. É a situação de permanência, continuidade e desenvolvimento das condições objetivas e subjetivas da qualidade de vida que a definem como sustentável (D. F. Mariosa & Camilo, 2018).

Historicamente, foram nos últimos dois séculos que o equilíbrio sistêmico entre espaço e território, natureza e cultura ou ambiente e sociedade foi drasticamente alterado (J. B. Alves, Denardin, & Silva, 2012). A revolução industrial notabilizou-se por garantir avanços significativos na qualidade de vida de uma grande parcela da população. Ainda que de forma heterogênea e em ritmo diferenciado, o avanço das ciências, notadamente nas áreas da saúde, de produção de alimentos e da tecnologia da informação, influenciou diretamente no aumento da expectativa de vida, na regularidade do abastecimento de víveres e na redução de mortes por doenças antes letais. Num primeiro instante, e por considerar que os recursos ambientais do planeta eram infinitos, as sociedades mais ricas e os estratos sociais mais bem aquinhoados com recursos econômicos deixaram de ser apenas consumidores para colocar no ato de consumir e no consumo sua principal razão de existir (Bauman, 2008). Com isso, o equilíbrio biótico logo foi alterado (Leff, 2009).

O esgotamento de recursos “naturais” antes abundantes passou a ser uma constante. Fenômenos meteorológicos regulares tornaram-se imprevisíveis e com cada vez maior intensidade (Obermaier & La Rovere, 2012; Greenpeace, 2018), fazendo antever os impactos agravados no bem-estar das populações produzidos pelos eventos climáticos extremos (UNDESA, 2017). Furacões, tempestades, tufões e ciclones tropicais destruindo cidades mais que as guerras. A irregularidade das chuvas provocando cheia e transbordo dos rios e lagos, ou simplesmente contribuindo para o desaparecimento dos cursos d’água. Enquanto o aquecimento global anima a subida do nível do mar em um local e seca prolongada, desertificação, redução da área fértil e o derretimento das geleiras, em outro.

Em anos recentes, tais eventos climáticos extremos se apresentam com maior constância e regularidade, impactando diretamente na perda da biodiversidade (terrestre, costeira e marinha) e provocando desequilíbrios ecossistêmicos no ambiente (Dias, 2014; Greenpeace, 2018), com impactos deletérios na qualidade de vida objetiva e subjetivamente observada de grandes contingentes populacionais (Cansi & Moreno, 2019). Na perspectiva ambiental, os impactos diretos vêm se concentrando em elementos tais como a irregularidade ou falta de diversidade produtiva, escassez de recursos alimentares, diminuição da renda familiar e no deslocamento das pessoas (The World Bank, 2018); e, indiretamente, nas alterações muitas vezes irreversíveis de ecossistemas, modificação da biodiversidade e na variação dos elementos físicos do solo. Enquanto que nos aspectos socioeconômicos, culturais e políticos da vida humana colocam-se a irregularidade produtiva do solo, insegurança alimentar, incapacidade de garantir produtos haliêuticos, perda prolongada de rendimento familiar, migrações, e a necessidade de remodelações legislativas e quanto à cooperação internacional e regional.

Efetivamente, muitas serão as repostas que podem ser oferecidas às questões postas pela dinâmica produtiva atualmente em curso, como as que envolvem práticas que ocorrem em diversos níveis da divisão territorial, executadas por diferentes atores ou que envolvam mudanças na legislação, prioridades para o financiamento e o desenvolvimento de programas, projetos e medidas de ação. O turismo, organizado sob a perspectiva de uma rede de cooperação solidária, embora não o esgote, insere-se de modo privilegiado neste contexto, ao representar um instrumento ético de valorização comunitária nas dimensões sociocultural e económico-ambiental (Brito, 2009). Nesta perspectiva, o turismo orientado por critérios de responsabilidade social, solidariedade, justiça, ética e sustentabilidade são o garante no processo de desenvolvimento das comunidades locais, assegurando a criação de mecanismos favoráveis à redução da pobreza através da redefinição de alternativas sócio-profissionais enquadradas do ponto de vista ambiental (Brito, 2010; Marques, Brito e Alarcão, 2010).

Turismo é a atividade humana que pressupõe todo o conjunto de atividades ocorrendo simultaneamente e no encontro da produção e da fruição, dos visitantes e dos visitados, dos deslocamentos no tempo e no espaço para as diferentes formas de lazer e conhecimento. Tomado sob a perspectiva sistêmica, portanto, não poderia deixar de causar impactos significativos para a cultura, economia, política e ambiente do lugar (Beni, 2019). Brito e Loloum (2010: 124) ressaltam que “o papel do turismo nas sociedades modernas traduz-se, cada vez mais, na capacidade de gerar riquezas econômicas”, mas que ao fazê-lo, ao fomentar o “dinamismo das sociedades”, renova as culturas e valoriza “elementos ancestrais que conferem identidade aos povos”. O que enseja e justifica ainda mais as reflexões acerca da dimensão social do turismo. Esta tem sido uma preocupação evidenciada pela Organização Mundial do Turismo ao longo do tempo, ainda no decurso do século XX, plasmada em conferências internacionais, cartas, códigos, relatórios e propostas de ação, também materializada na criação da Rede de Turismo Comunitário Latino-Americana (RedTurs) e nos Fóruns Internacionais de Turismo Solidário (Marques, Brito e Alarcão: 2010: 82).

Não obstante que o Código Mundial de Ética do Turismo (Turismo, 1999) disponha que o turismo social tenha “por finalidade promover um turismo responsável, sustentável e acessível a todos, no exercício do direito que qualquer pessoa tem de utilizar seu tempo livre em lazer ou viagens e no respeito pelas escolhas sociais de todos os povos”, tem-se a compreensão que este não seja apenas um segmento da atividade turística, mas uma forma de praticá-la com o objetivo de obter benefícios sociais.

A atual conjuntura internacional, imposta pela crise pandémica gerada pelo vírus Sars-Cov2 (COVID-19) traduziu-se em incertezas múltiplas que impactam no sector do turismo, em particular nos projetos de pequena dimensão, caracteristicamente orientados para a pequena dimensão, a vertente social e sustentável (Brito, 2021). Por um lado, as perdas tendem a ser globais por afetarem todos os países do Mundo, prolongando-se os seus efeitos. Também a este nível, a Organização Mundial do Turismo antevê a necessidade de adoção de uma resposta integrada, Putting people first, orientada para a mitigação dos efeitos provocados pela pandemia, tendo o foco na Agenda 2030 (UNWTO, 2020).

A esse cenário é relevante destacar que com a pandemia Covid-19 instituições como a Fundação Amazonas Sustentável (FAS) organização sem fins lucrativos criada no Brasil em 2008 tem desenvolvido estratégias de enfrentamento da crise ocasionada pela pandemia, para a retomada do setor após a pandemia do coronavírus. Uma das principais ações que alicerçam esse movimento refere-se ao lançamento da Aliança dos Povos Indígenas e Populações Tradicionais e Organizações Parceiras do Amazonas para o Enfrentamento do Coronavírus, que conta com a parceira de 73 instituições. A rigor, esse movimento foi um forte viabilizador de doações e atividades destinados principalmente à comunidade do interior do Estado e aos bairros carentes de Manaus (Fundação Amazonas Sustentável, 2020).

Além disso, Solidade (2020) superintendente do Programa de Desenvolvimento Sustentável da FAS reforça a ação de ampliar o acesso da comunidade e dos empreendedores aos programas econômicos dos governos estadual e federal. Trata-se, portanto, de encarar os efetivos impactos da crise no setor do turismo com o planejamento e ações estruturantes que englobem a cadeia do turismo e, principalmente, os empreendedores e comunidades diretamente afetados, como por exemplo, os que produzem artesanatos e outros produtos da floresta.

Para o Ministério do Turismo brasileiro (Brasil, 2019a), por exemplo, há uma preocupação em desenvolver o turismo com vistas à inclusão, privilegiando a ótica de cada um dos distintos atores envolvidos na atividade, quer seja o turista, o prestador de serviços, o grupo social de interesse turístico e as comunidades residentes nos destinos. Turismo social seria, portanto, a “forma de conduzir e praticar a atividade turística promovendo a igualdade de oportunidades, a equidade, a solidariedade e o exercício da cidadania na perspectiva da inclusão” (Brasil, 2019a). Valores que igualmente são sugeridos na abordagem teórico-prática da Economia Social e Solidária – EcoSol.

A EcoSol apresenta-se como singular estratégia de desenvolvimento local e sustentável, fundamentada numa mudança de perspectiva em relação às atividades de produção e consumo. Suas premissas básicas são a auto-gestão, participação democrática e de base cooperativa e coletivista (Singer, 2002). Em outros termos, conforme Fonseca, Morais & Chiariello (2021), a EcoSol, “se baliza e contempla princípios que privilegiam o comum, a partilha, o local, o coletivo, a cooperação, o trabalho, em detrimento do isolacionismo, da atomização, da desagregação, da concorrência e da competição”.

Na visão de Morais & Bacic (2020), as organizações de EcoSol oferecem vantagens comparativas para abordar os desafios sociais, econômicos e políticos em todo o mundo, incluindo a coesão social, o “empoderamento” e o reconhecimento de uma economia plural. Consequentemente, a estrutura de governança também tende a ser mais inclusiva e democrática, dando voz a diferentes tipos de parceiros (trabalhadores, cooperados, voluntários, usuários etc.) dentro do processo de tomada de decisões coletivas, permitindo o empoderamento das comunidades e a oferta e demanda de serviços locais.

Tais características fazem com que as Nações Unidas reconheçam a EcoSol como um dos caminhos auxiliares que podem contribuir para a construção de “modelos” de desenvolvimento mais inclusivos e sustentáveis, atualmente expressos pelos Objetivos de Desenvolvimento Sustentáveis - ODS (UNTFSSE, 2021). Isto, pois, os ODS são integrados e mesclam as três dimensões do desenvolvimento territorial sustentável: a econômica, a social e a ambiental.

Assim, ao incentivar que as relações produtivas sejam edificadas entre seus agentes por intermédio de mecanismos necessariamente democráticos; que considere não apenas os interesses particulares da realização de lucros, mas também como as atividades econômicas impactam na vida das pessoas diretamente e indiretamente envolvidas, consegue estabelecer diretrizes factíveis para alcançar padrões aceitáveis de sustentabilidade social e ambiental (Albuquerque, 2003). Fortemente marcados pelo senso de coletivismo, empreendimentos da economia social e solidária se fortalecem e se tornam mais sustentáveis quando organizados na forma de redes, como ocorre com o Projeto Redes Solidárias: passos para a sustentabilidade formulado pela Agência de Desenvolvimento Solidário - ADS  (ADS, 2014).

As redes de empreendimentos solidários constituem-se a partir das interações, articulações ou representações de interesses formais ou não formais que se estabelece entre os diversos Empreendimentos de Economia Solidária - EES e as organizações de apoio que as compõem. Destina-se ou têm como um de seus pressupostos fundamentais o de promover de forma cooperativa todas as atividades que impactam na geração e desenvolvimento de suas atividades econômicas, promovendo de forma solidária a comercialização dos produtos e serviços que realiza, bem como incentivando e promovendo o consumo coletivo dos bens, produtos e serviços (consumo solidário) (ADS, 2014; D. F. Mariosa et al., 2018; Singer, 2001).

O advento da pandemia do COVID 19 disseminou uma diversidade de eventos desagregadores da vida social, com implicações negativas, seja em termos econômicos, no que concerne à capacidade de geração de trabalho e de renda, seja nas dimensões do contato e da vivência, apartando as relações de convívio e de reciprocidade, constituindo-se como um complicador atual para a consolidação das atividades coletivas (Fonseca, Morais & Chiariello 2021). No entanto, face este contexto pandêmico, França Filho, Magnelli & Eynaud (2020) propugnam o alentador desafio de retomar a economia pela sociedade e a partir de sua democratização, acionando a redefinição do poder político popular sobre os territórios, bem como defendendo a preservação da sociodiversidade.

Mas, o que de fato muda quando as atividades turísticas são tomadas sob a perspectiva da economia social e solidária? Há perspectivas de intervenção que contemplem ao mesmo tempo aspectos subjetivos e objetivos da qualidade de vida e/ou do que se convencionou chamar de desenvolvimento sustentável?

O principal objetivo do estudo foi identificar e caracterizar os ‘empreendimentos indígenas locais’ e sinalizar, quais são as estratégias econômicas que os indígenas locais articulam com a sustentabilidade e com a Economia Social e Solidária num contexto de Unidade de Conservação de Uso Sustentável na Amazônia.

 

2.    Povos Tradicionais em Reservas de Desenvolvimento Sustentável

 

Entre as características indubitavelmente marcantes da Amazônia está sua imensa porção territorial, carregada de um patrimônio florestal exuberante, rica biodiversidade, extensa rede hidrográfica, além de recursos econômicos ainda inexplorados e do fornecimento de serviços ambientais que extrapola demasiado suas fronteiras naturais. Um patrimônio ambiental que ainda permanece em grande parte intocado devido à pouca interferência da atividade humana (Becker, 2004).

Examinando-se apenas o Estado do Amazonas, duas realidades socioterritoriais contrastantes podem ser verificadas. A cidade de Manaus, capital do Estado, configura-se num núcleo urbano moderno, com cerca de dois milhões de habitantes, centro de comércio, serviços e de uma atividade industrial pujante, que a coloca entre os cinco maiores parques fabris do Brasil (SUFRAMA, 2018). Enquanto isso, idêntico número de habitantes distribui-se por pouco mais de meia centena de pequenos munícipios ao longo dos seus quase um milhão e seiscentos mil quilômetros quadrados de área territorial. Encravados no interior da floresta amazônica, vivendo às margens dos diversos rios e igarapés que a recortam, os povos da floresta, indígenas, ribeirinhos, pequenos agricultores e coletores dali retiram seu sustento, incorporando à renda econômica familiar produtos da caça, pesca e artesanato (Amaral et al., 2013).    

Visando à exploração racional dos recursos florestais, e demais componentes da biodiversidade, bem como a manutenção e preservação dos atributos naturais do lugar, o Poder Público no Brasil instituiu e delimitou uma série de áreas geográficas, denominando-as de Unidades de Conservação (UC’s), com diferentes perfis de proteção e sob diferentes níveis de responsabilidade do gestor público (Lei No 9.985, 2000).

Como se observa na Figura 01, áreas ambientalmente protegidas e territórios indígenas concentram-se em maior profusão nos países da América do Sul e estados brasileiros geograficamente inseridos na Bacia Amazônica. No Estado do Amazonas, particularmente, contam-se atualmente 55 unidades de conservação de jurisdição federal, 41 no âmbito estadual e 04 municipais, que se somadas às 173 áreas indígenas, colocam 55% do território sob proteção legal (Brasil, 2014).


Figura 01: Mapa com a distribuição das áreas ambientalmente protegidas e de terras indígenas, com destaque para a Bacia do Rio Amazonas.




Dentre as 100 áreas de conservação no Estado do Amazonas, listadas pelo Ministério do Meio Ambiente e aqui mencionadas, 17 são reservas de uso sustentável (Brasil, 2019b). Dentre estas, uma Reserva de Desenvolvimento Sustentável – RDS é definida pela legislação brasileira (Sistema Nacional de Unidade de Conservação da Natureza – SNUC, 2000) como sendo uma área natural que abriga populações tradicionais. Povos e comunidades tradicionais são grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição (Arruda, 1999).

No Brasil, vários grupos populacionais são chamados de tradicionais, tais como os Caboclos, Caiçaras; Extrativistas; Indígenas; Jangadeiros; Pescadores; Quilombolas; Ribeirinhos, e; Seringueiros. Em comum estes grupos baseiam sua existência em sistemas sustentáveis de apropriação e utilização de recursos naturais disponíveis no ambiente, usando técnicas e formas de manejo logrado desenvolver coletivamente e por gerações, adaptando-as às condições ecológicas locais e que, por isso, desempenham um papel insofismável na proteção da natureza e na manutenção e preservação da biodiversidade (Arruda, 1999; Serra, 2002; Vianna, 2008).

Como no interior de muitas das Unidades de Conservação do Estado do Amazonas é possível confirmar a presença de várias comunidades tradicionais, e que estas contribuem decisivamente para a proteção ambiental do espaço amazônico, denota-se a necessidade de fomentar políticas públicas de desenvolvimento socioeconômico voltado para além da simples subsistência dessas populações. Aquilo que os autores definem como “desenvolvimento sustentável” deve ser entendido, portanto, neste contexto (Nações Unidas, 2015; Sachs, 2000; Veiga, 2005).

  

2.       Procedimentos metodológicos

 

Para responder aos questionamentos e atender aos objetivos propostos na introdução recorre-se, metodologicamente, a um estudo exploratório, observacional e analítico-descritivo (Fachin, 2006), baseado em dados coletados em pesquisa de campo original, realizada em duas das cinco comunidades ribeirinhas que compõem a Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Tupé – RDS do Tupé, Manaus, Amazonas, consideradas áreas de patrimônio natural e cultural. 

A área de interesse do estudo está localizada na Amazônia brasileira na confluência da margem esquerda do Rio Negro com o Igarapé Tarumãzinho, distante de Manaus em aproximadamente 25 quilômetros (ver Figura 02). Situada numa zona de transição entre o rural e o urbano, a RDS do Tupé é uma área protegida que conta com cerca de 12.000 hectares de extensão, nos quais vivem em torno de 1.800 moradores fixos, distribuídos em cinco comunidades ribeirinhas no interior de seus limites, Tatulândia ou Tatu, São João do Lago do Tupé ou São João, Nossa Senhora do Livramento ou Livramento, Julião e Agrovila, e uma de assentamento rural, a Central (D. F. Mariosa et al., 2014). Entre seus moradores, a associação que reúne populações indígenas na área da RDS do Tupé (União dos Povos do Livramento dos rios Tarumã Mirim e Tarumã Açu – UPILTTA) identifica 89 famílias pertencentes a pelo menos 13 etnias diferentes: Dessana, Tukano, Tuyuka Tatuia, Uanano, Apurinã, Baré, Ticuna, Kokama, Pira-tapuia, Arapaço, Uitoto, Sateré-Mawé (P. H.  Mariosa, Guimarães, Cruz, & Pozzetti, 2017).

 

Figura 02: Ilustração com a distribuição espacial das comunidades constituintes e dos limites da Reserva de Desenvolvimento Sustentável - RDS do Tupé, Manaus, Amazonas.




Fonte: Elaborado pelos autores

 

Constituiu-se em objeto de estudo, especificamente, as atividades econômicas, enquadradas pelo turismo, dos empreendedores identificados entre si como pertencentes a alguma das 13 etnias indígenas que se acham localizadas nas comunidades São João e Livramento (P. H. Mariosa, 2018). Comparando as atividades que desenvolvem com as do grupo populacional dos não indígenas entrevistados, pretendeu-se avaliar a vulnerabilidade dos empreendimentos locais às incertezas e especificidades do mundo concorrencial capitalista, tendo como referencial a matriz de importância e desempenho proposta por Slack (1994), a qual já foi validada por vários autores (Fernandes, 2012). Para a pesquisa, coleta de dados e análise dos resultados, observou-se o roteiro a seguir detalhado.

Primeiramente, o plano amostral foi delineado tendo como parâmetro a contribuição e participação daqueles que, no perímetro central das comunidades São João e Livramento, realizam algum tipo de atividade geradora de renda e trabalho, independentemente de estar formalmente organizada ou não. Na comunidade Livramento, foram examinados 15 empreendimentos econômicos, dos quais 04 declaradamente pertencentes a indígenas e 11 a não indígenas. Na comunidade São João foram coletados os dados de 11 empreendimentos, sendo 02 pertencentes a grupos étnicos indígenas e 09 a não indígenas.

A coleta de dados ocorreu mediante observação direta e entrevistas com aplicação de questionários semiestruturados a empreendedores que, após serem informados e esclarecidos dos objetivos da pesquisa em reuniões preparatórias, realizadas por equipes orientadas e previamente treinadas para o contato com os informantes, assinaram os termos de consentimento livre e esclarecido, autorizando o uso acadêmico das informações. O roteiro das entrevistas foi elaborado a partir de questões fechadas construídas em escala LIKERT, com a finalidade de obter informações sobre as características gerais de cada empreendimento em suas variáveis mercadológica, financeira, organizacional e de estratégia de redes de cooperação, utilizando-se como referencial, categorias de análise e as questões constantes do Quadro 01.  

 

QUADRO 01: Questões e dimensões que informam a escala de percepção da vulnerabilidade dos empreendimentos locais




Fonte: Elaborado pelos autores com base na proposta de Slack (1994: 10-12).

 

Para a montagem das tabelas e construção da escala de percepção da vulnerabilidade dos empreendimentos econômicos locais recorreu-se à técnica do “Grupo Focal”, em que a avaliação é conduzida por especialistas que, para obtenção de consenso sobre as medidas escalares de cada questão ou variável, dialoga com o grupo entrevistador de cada empreendimento a partir do conteúdo previamente definido para as entrevistas e observações realizadas  (Bloor, 2001; Morgan, 1999).

Em seguida, os dados foram tabulados em planilha eletrônica, analisados com os recursos da estatística descritiva e sistematizados com a utilização de medidas de centralidade, médias e de frequência relativa. Dessa forma, os indicadores de cada uma das variáveis resultam da média das notas dadas de 1 a 10 a cada quesito constante do Quadro 1 e que, multiplicada pelo número de ocorrências encontradas, permite avaliar a vulnerabilidade de cada empreendimento ou recorte dos empreendimentos desejados. Complementa-se a análise com os recursos da observação direta, procurando por evidências de associação entre as variáveis ou dimensões propostas e as situações encontradas nas comunidades (Skovdal & Cornish, 2015). 

Por fim, os resultados assim obtidos foram sintetizados e apresentados em gráficos e tabelas e sua interpretação seguiu a abordagem metodológica proposta pela teoria fundamentada em dados (A. Alves et al., 2017), correlacionados que foram com os parâmetros conceituais propostos pelos autores da Economia Social e Solidária (Morais & Borges, 2010; Singer, 2001, 2002) 

 

2.      Sustentabilidade dos empreendimentos econômicos das populações tradicionais na RDS do Tupé

 

A RDS do Tupé (ver Figura 02) possui em seu interior seis comunidades, grupos humanos compostos de ribeirinhos, população indígena, caboclos e povos da floresta que ali constituíram espaços de trabalho e moradia. Neste ambiente, erigiram ao longo do tempo uma identidade coletiva e que pode ser observada tanto do ponto de vista geográfico, como administrativo, sociológico ou político, as quais, neste estudo, destacam-se para análise os empreendimentos econômicos que as populações indígenas desenvolvem nas comunidades Livramento e São João. 

As comunidades analisadas inserem-se numa zona de transição demográfica e ambiental. Em virtude de sua localização numa área de proteção ambiental próxima à cidade de Manaus, verificam-se hábitos típicos de unidades socioterritoriais tanto rurais quanto urbanas. A bela paisagem natural, rica biodiversidade e praias próprias para banhos são elementos de atração turística para visitantes e frequentadores habituais do lugar. Seus habitantes, por sua vez, carregam em sua composição a diversidade dos diferentes grupos populacionais tradicionais, com destaque para o grupo indígena “Dessana” na comunidade São João e o grupo “Baré”, na comunidade Livramento, responsáveis pela promoção atividades para os turistas, como os rituais indígenas, danças, rezas, medicina tradicional e outros aspectos de sua cultura (P. H. Mariosa et al., 2017).

Os indivíduos que constituem a população tradicional habitante da RDS do Tupé seguem, economicamente, a mesma trajetória de outras unidades familiares do interior amazônico, praticando a agricultura de subsistência, coleta de frutos, caça, pesca, além da criação de pequenos animais utilizados como complemento alimentar.

A proximidade física de Manaus e o patrimônio turístico do lugar, entretanto, que vinha fortalecendo a prática de atividades diversas como o comércio de víveres, passeios e transportes, produção e venda de artesanato, sofreu desaceleração considerável com o advento da Covid19. Com isso, a renda trazida pelo turismo, que também impulsionava a dinâmica econômica interna gerando renda e trabalho em outras frentes como é o caso das pequenas vendas e a prestação de serviços básicos aos moradores das comunidades, diminuiu. Mas ainda de forma incipiente, seja pela sazonalidade ou intermitência dos eventos turísticos, seja pelo pequeno volume de recursos financeiros de outras fontes que circula no comércio local.

Os traços marcantes dos empreendimentos costumam variar de acordo com os valores disponíveis para investimento, volume de capital próprio, o tipo da atividade econômica, as características sociodemográficas de seus integrantes e a trajetória do negócio desde sua organização inicial. Como síntese do que foi observado nos 26 empreendimentos econômicos locais analisados, os dados constantes da Tabela 1 são reveladores da precariedade econômica, financeira e organizacional geral (5,45) e dos empreendimentos indígenas em particular (4,18). Todavia, considerações acerca das peculiaridades dos empreendimentos podem ajudar a esclarecer eventuais discrepâncias.

A escala de percepção das vulnerabilidades dos empreendimentos econômicos (ver Quadro 1 e Tabela 1) assenta-se em componentes fundamentais para avaliar o grau de sustentabilidade esperado na prática das atividades de produção e consumo de bens materiais e de serviços: mercado, finanças, organização e cooperação.

 

Tabela 1 : Escala de percepção da vulnerabilidade dos empreendimentos econômicos locais das comunidades São João e Livramento, RDS do Tupé, Manaus, Amazonas


Fonte: Elaborada pelos autores a partir de dados coletados em pesquisa de campo nas comunidades São João e Livramento, nos anos de 2017 e 2018.

 

Para a variável “mercado” as questões contemplam até que ponto a relação produtor-consumidor é compreendida pelos agentes empreendedores. Separada em dois grupos: o conjunto formado pela população indígena (06 empreendimentos) e aquele representativo dos demais grupos populacionais (20 empreendimentos) apresentam resultados diversos. Entre os empreendimentos indígenas, numa escala de 0 a 10, a média observada foi de 6,04, enquanto para os de não indígenas a média geral da variável mercado esteve em 5,62. Esta diferença, todavia, aponta para outra direção da análise quando se examina o desvio padrão dos dois grupos de médias. Observa-se que o valor de 3,31 correspondente ao grupo indígena mostra ali existir uma heterogeneidade muito maior entre os empreendimentos examinados que o valor de 2,24 do desvio padrão das médias do grupo de empreendedores não indígena. Para os primeiros, a maior diferença (4,08) ou média das distâncias entre as médias diz respeito ao conhecimento da “concorrência”; e a menor diferença (2,31) está na questão que trata da convicção de que sua atividade, serviço ou produto, é capaz de satisfazer aos clientes que atende. Para o grupo de empreendedores não indígena, a maior distância (2,55) refere-se à questão que pergunta se realiza regularmente pesquisas sobre as demandas e necessidades dos clientes; enquanto a menor diferença (1,86) é observada na questão que indaga se tem conhecimento de quem são seus concorrentes.

Com a segunda variável analisada, “finanças”, a análise fixa-se na geração, distribuição, gestão e aplicação dos recursos financeiros que se faz circular com o negócio. Enquanto para os empreendedores indígenas a média das questões que avaliam a percepção de vulnerabilidade neste quesito esteve em 3,53, para os demais o valor alcançou um patamar um pouco maior, com 5,75 em 10 possíveis. Ressalte-se que a baixa heterogeneidade nos valores médios das respostas (1,54 de desvio padrão para o grupo indígena e 2,09 para o grupo dos não indígenas) indica pouca discrepância quanto aos empreendimentos avaliados. Ambos consideram que praticam preços coerentes e competitivos, todavia, para os demais itens avaliados observa-se situações indicativas da fragilidade bem consistente e inquietante dos empreendimentos, pois que não fazem retiradas satisfatórias e nem são praticadas operações básicas de controle de caixa, orçamento e análise de custos.

A terceira variável da escala de percepção das vulnerabilidades dos empreendimentos analisada, denominada “organização”, reúne questões que dizem respeito à estrutura administrativa, organizacional e operacional do negócio. Nesta variável observa-se se os recursos e as condições atuais do empreendimento são adequados para atender às exigências das atividades propostas ou se tendem a se deteriorar no futuro. Novamente, tem-se entre os empreendimentos indígenas um resultado inferior ao alcançado pelo grupo de não indígenas. Média 5,00 contra 6,18. Entretanto, o desvio médio padrão para o observado entre os indígenas (3,43) é bem superior ao verificado o grupo não indígena (2,88). Essa discrepância é maior quando se fala da eficiência e produtividade do empreendimento e da rotatividade de seus membros (desvio padrão de 4,24 e 4,95, respectivamente, para o grupo indígena); ou em relação aos empreendimentos do grupo de não indígenas, com desvio padrão médio de 5,82 para a variabilidade de instrumentos e condições materiais adequados e de 3,29 para a rotatividade de seus membros.

Por fim, com a variável “cooperação” reúnem-se questões que permitem perceber como se dá a participação e/ou envolvimento dos grupos de empreendedores em atividades associativas, cooperativas ou de atuação em redes. Com média dos quesitos avaliados em torno de 2,81 para os empreendimentos do grupo indígena, e 3,93 para os demais empreendimentos econômicos tem-se na variável cooperação os menores valores encontrados. Ademais, com desvio padrão médio de 2,13 para os indígenas e 2,68 para o grupo de empreendimentos dos não indígenas, pode-se inferir a grande distância que separa aqueles que percebem o processo cooperativo como possibilidade daqueles que não. De certo modo, ainda que os laços de parentesco e o vínculo territorial atuem para robustecer o sentido de pertencimento e de integração comunitária, efetivamente, isto não se mostrou satisfatório para uma mudança paradigmática e economicamente sustentável no sentido de organizar cooperativamente o conjunto das atividades produtivas nas comunidades observadas.

 

Conclusões

 

Por meio de observações, entrevistas e diálogos informais, buscou-se identificar e caracterizar os ‘empreendimentos indígenas locais’ em Unidade de Conservação de Uso Sustentável na Amazônia. O estudo permitiu compreender quais são as estratégias econômicas que os indígenas locais articulam com a sustentabilidade e com a Economia Social e Solidária. Os resultados da análise realizada restringem-se aos empreendimentos participantes da pesquisa e, portanto, não têm a pretensão de serem generalizados a outros grupos.

Certamente que a intersecção dos temas da sustentabilidade, economia social e solidária e populações indígenas é complexa, ampla e passível de múltiplas abordagens, o que justifica a importância de entender os fenômenos onde, quando e por que ocorrem. Todavia, dado que na Amazônia brasileira encontram-se casos de comunidades tradicionais, que dificilmente conseguiriam sobreviver sob as diretrizes do modelo econômico competitivo que vige nos centros mais dinâmicos da sociedade, a contribuição que a Economia Social e Solidária poderia trazer para que as populações indígenas numa área de reserva de desenvolvimento sustentável na Amazônia pode ser, de fato, sustentáveis. Podendo, inclusive, levar a mudanças estruturais nos modos que as populações realizam suas atividades.

Para confirmar este ponto de vista, observe-se que dentre as famílias indígenas que vivem na RDS do Tupé, dois grupos destacam-se por protagonizar atividades fortemente vinculadas ao ecoturismo através das apresentações que fazem regularmente de seus rituais e costumes, bem como da venda do artesanato indígena aos visitantes da comunidade. Dificuldades são muitas. Enquanto os Baré, na comunidade Livramento, possuem uma estrutura ainda em construção, os Dessana, na comunidade São João contam, também, com um projeto cultural denominado Floresta Cultural Herisãrõ que proporciona aos visitantes uma imersão no conhecimento e no respeito do espaço sagrado, valoriza o descobrimento da cultura e da experiência ancestral daquele povo.

Dadas as premissas conceituais de autogestão, participação democrática e de base cooperativa e coletivista, e considerado o aprendizado que sua implantação pode trazer em diversas situações práticas, a construção ou fortalecimento de uma rede de empreendimentos econômicos localizados na RDS do Tupé, assentado em base turística e reforçando o valor social das atividades produtivas possuiria considerável poder para romper com práticas típicas de desenvolvimento predatório, que tanto prejudica a biodiversidade amazônica, como reduz os espaços de realização da cultura e da vida subjetiva e objetivamente vivida. Assim, os resultados observados apontam para diferenças não apenas na comparação entre os dois grupos considerados, indígenas e não indígenas, mas que dentre os empreendimentos indígenas a heterogeneidade das médias encontradas nos quesitos analisados – mercado, finanças, organização e cooperação – os mais bem estruturados para o turismo ecológico podem ser adotados como modelo de potencialização econômica, num viés de inclusão social e preservação ambiental que permita criar uma certa identidade ao longo do tempo.

Compreende-se, dessa forma, que a valorização turística do conjunto de recursos materiais e simbólicos pode garantir não apenas a sobrevivência das comunidades ali instaladas, mas, também, surge como oportunidade para a autonomia cultural e independência financeira de grupos humanos recorrentemente excluídos do bem-estar e da qualidade de vida proporcionados pelas conquistas da modernidade, como é o caso da população indígena examinada.

 

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Enviado: 12/04/2022

Aceptado: 28/09/2021

 

 

 

Cómo citar este artículo:

 

Ferreira Mariosa, D.; Pereira Morais, L.; Rocha Brito, B.; Mina Falsarella, O.; Sugahara, C. R.; y Benedicto, de. S.C. (2022). A contribuição da economia social e solidária para a autonomia das populações indígenas situadas numa área de reserva de desenvolvimento sustentável na Amazônia. Otra Economía, 15(27), 84-102

 

 



*  Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Programa de Pós-Graduação em Sustentabilidade, Campinas, São Paulo, Brasil. 

** Universidade Estadual Paulista, Departamento de Economia, Araraquara, Brasil.

*** Universidade Autónoma de Lisboa, Centro De Investigações OBSERVARE, Lisboa, Portugal.

**** Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Programa de Pós-Graduação em Sustentabilidade, Campinas, São Paulo, Brasil. 

*****. Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Programa de Pós-Graduação em Sustentabilidade, Campinas, São Paulo, Brasil. 

******. Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Programa de Pós-Graduação em Sustentabilidade, Campinas, São Paulo, Brasil. 

 

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